«(...) - ... dizes isso, linda, porque tens dois filhos senão não falavas assim...
(A meu lado ele fazia bonequitos com a mão, do género daqueles "bonecos bla-bla-bla", tipo marioneta que falam, falam e não dizem nada. Fazia-o enquanto conduzia pela cidade, comigo ao lado a falar ao telemóvel com uma colega nossa...).
- Eu quando quiser ter os meus, tenho e pronto, sempre quero ver quem me vai impedir e não quero só um!!!
(E a mãozinha, bla bla bla... e eu a empurrá-la e a rir, tentando, no entanto, disfarçar o riso ao telemóvel...)
Terminei a conversa segundos antes de entrarmos na rua dos nossos amigos comuns, que ele conheceu no nosso trabalho, mas de quem se aproximou mais talvez devido a mim... Eles estavam a preparar a sua casa nova...
Começámos a brincar de dentro do carro a dizer que aquele martelar devia ser o J. a derrubar as paredes (e afinal acabámos por descobrir que era mesmo o que estava a fazer, excepto a parte de derrubar as paredes!).
Ouvíamos tudo pois estava imenso calor naquele dia de Verão na bonita cidade alentejana e as janelas abertas do carro permitiram-nos isso... Preparo-me para sair, enquanto ele sai, mais ágil e veloz que eu... Mal saio, ele diz do outro lado do carro (e era do meu lado que estava o passeio)...
- Se não quiseres ter cinco filhos, já não me caso contigo!
Voltei-me tentando olhá-lo, mas não consegui, ele atravessava a parte de trás do carro para chegar junto a mim, mas teve de se baixar para não bater na laranjeira que havia no passeio. Ri-me, tentando não mostrar o meu nervosismo, julgando que ele ia estar com ar de troça.
Quando os nossos olhos se cruzaram, ele olhava-me fixamente e (estranhamente para mim!), muito sério. Assustei-me quando me pareceu perceber que ele estava mesmo a falar a sério. Inúmeros pensamentos me correram a mente em milésimas de segundo, entre os quais "mas afinal não querias só amizade?!", "mas não disseste que apenas achavas que gostavas de mim...?", "... não te arrependeste logo a seguir a tê-lo confessado...?"...
Ainda hoje me sinto confusa pensando que falavas a sério... E eu na altura dei as respostas mais parvas que poderia ter dado e tive a atitude mais estúpida que poderia ter tido, senão... repare-se...
- CINCO??? Vá lá três...! Os outros dois só se carregares tu!!! Cincooooo?????
Como se esta reacção estapafúrdia não bastasse... ao invés de me baixar para abrir o pequenino e baixíssimo portão, passei-lhe por cima (não que fosse muito alto, mas... e é verdade que me dava pouco acima dos joelhos, mas eu estava de vestido ... se bem que também não se viu nada...)...
Ainda hoje ouço aquelas palavras na minha mente. Creio mesmo que estavas a brincar, mas não foi isso que os teus olhos me disseram... ou foi o que me pareceu. Não percebi, não percebo, tive medo de perceber... é confuso...
Foi confuso na altura, continua a sê-lo agora quando penso naquele dia de Verão em que, de repente, me disseste:
- Se não quiseres ter cinco filhos, já não me caso contigo!
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