Todos os caminhos me levaram a ti!Procurei-te,não te achei.Nunca te deste a mais ninguém.Será que agora me vês?
Agora quero partir,mas sinto que continuo encostada a ti...e tu a mim e isso contraria a minha essência.
E quando pensei que o sonho tivesse terminado,encontrei-te...Será que tu me encontraste já?Não sei,mas,por agora vamos partilhar o silêncio de um abraço e, enquanto a vida não corre e a clepsidra não anda...ENCOSTA-TE A MIM!AGORA!
Iva's place
Aqui, fala-se de amor...esse sentimento louco que mexe cá dentro e nos faz vibrar de emoção.
Seja curto ou duradouro, dele todos queremos um pouco ou não pule cá dentro o coração!
É de muita felicidade resolver finalmente os assuntos pendentes do passado, por anos e anos. Mas também é de muita tristeza a machadada final ser exactamente a que esperávamos, como sempre adivinháramos que iria ser, mas quando não esperávamos, com os maus da fita a darem-se bem, sem punições e os bons perdidos pelo caminho, solitários na inactividade da sua atitude. E os intermédios por ali, num vaivém inconstante e imperceptível, incompreensível e, não obstante…bem!
Assim me escrevo e assim me despeço.
Agora.
Não sei se voltarei.
Muitas forças a todos os que ajudei durante mais de dois anos, ainda mais forças a quem não tive disponibilidade para responder… (ainda o tentarei fazer, apenas não estarei aqui activa no blog!).
Quem me ficou no coração, mantém-se agora na minha vida. Quem não está lá, nunca teve a menor importância. É muito menos que insignificante. E isto é válido para todos!
Os laços desatam-se, mas eis que surge, não uma punhalada, mas, pior que isso, uma autêntica machadada para nos despedaçar o pedacinho de coração que ainda está intacto, acabadinho de refazer, chupando-nos o único pedaço de sanidade mental que nos restava… Os pormenores não interessam.
Apenas foi o suficiente para me aperceber que, de repente, as feridas se abriram. Afinal estavam cá! Ou isso ou as cicatrizes também doem.
Apercebi-me que neste momento estou melhor isolada no meu egoísmo, um sentimento novo do qual irei ser mestra!, do que na ilusão de… Bem, na ilusão! Qualquer que seja, boa coisa a ilusão não pode ser.
Sendo de um egoísmo tal, não me parece que neste momento exista alguém capaz de me ajudar a sarar as feridas, abdicando de 5 minutos de si, por mim. Dando-me um bocado da sua vida, só porque si. Investimento a fundo perdido, quase… E, como se há coisa que não existe são príncipes encantados e contos de fadas…, o melhor é resumir-me à minha considerada insignificância sentimental e ficar no meu cantinho, longe de tudo, longe de todos. Morta para o mundo.
Não há, nem haverá, quem me acorde às 3 da matina, para me dar um abraço e dizer que vai ficar tudo bem. Não há cinco minutos para dizer uma patetice qualquer e o mundo parecer de novo fazer sentido. Apenas há coisas do passado que, a resolver-se, nos dão uma chicotada com a força e o impacte de um coice gigantesco, pior que uma onda de três metros, embatendo directa em nós, enrolando-nos na areia, num misto de sal, saliva, pedras, água, sangue e areia… perdendo nós o fôlego e o lugar certo dos ossos, num abraço quase fatal de dor, remorso e de flashes de vida.
Não há sempre finais felizes. Há finais. Há ciclos de vida. E, de facto, life is a bitter sweet symphony…!
Há pessoas que sabem o que querem, fazem loucuras, lutando por isso e se dão bem. Há outros que não arriscam. E não se dão mal. Normalmente, “não se dão”. Mas isso agora não interessa. Nada interessa. Nem o silêncio interessa pois ele é pesado.
Não quero, não posso, não consigo falar disso. Não consigo falar de como me magoaram, de como arquitectaram para me magoar mais só porque não me tinham nem iriam ter… não quero falar de confirmar dúvidas do passado enterrado e ele, por entre as camadas de terra e de tecidos putrefactos e insípidos, me agarrar pela perninha e me puxar para o fundo, enchendo-me as cavidades de terra, de tal forma que não consigo mais respirar e só vou para o fundo, cada vez mais para o fundo. Farta. Cansada. Cansada de muito lutar.
Funeral não houve. Nos assassinatos de se ser comido para a terra por um passado mal cheiroso deve ser sempre assim, digo eu. Nem houve muitos gritos. Houve o silêncio, o telemóvel amigo que não tocou, o toque quente e silencioso, amigo, que nunca chegou. Que nunca chegou quando não seriam necessárias palavras para sarar um coração ferido.
Deixem-me estar. Não quero palavras. Também não quero o silêncio. Não quero nada pois agora sei que nada me pertence. Nem a perda me pertence. E o coração que era meu, esvaiu-se, líquido, na insuficiência de formar plaquetas que o segurassem.
Não quero nada. Não peço nada. Não desejo nada. Quero o esquecimento, o nada. Isso acho que posso ter.
É um adeus. Vou lamber as feridas e talvez não gerem gangrena, se não é ou foi isto já gangrena!, e vou ficar sozinha, aqui, no meu cantinho. Certa de quem amei, certa de quem ama. Completamente com a certeza que ainda mais vou perder, mas tendo plena consciência (se puder esta ser minha!), de que agora preciso de algo que não era meu, mas agora rebusco nalgum canto do meu pacote de brindes de há umas décadas atrás: o meu próprio egoísmo.
Escrevo-me e morro-me. Morri para o mundo. Agora. Aqui. Sem sequer mais uma palavra. Neste ponto final.
Alguns de nós amam o amor, outros amam a ideia de ter alguém, uma família para passear com ela, outros há que amam a ideia de se casarem na Igreja, rodeados de muita gente, para que toda a gente os veja... outros amam ser amados... outros amam com egoísmo ter alguém sempre ali atrelado... Bem, mas poucos há que consigam aceitar outro alguém com todos os defeitos, aceitando-o pelo todo, não porque está certo ou porque parece bem, mas tão simplesmente porque o amam e desejam a sua felicidade.
Hoje não me alongo mais...
O verdadeiro amor não é egoísta. Apenas isso.
Podemos ser felizes mesmo sem estarmos com quem amamos, se soubermos que a outra pessoa está bem. Isso não é estupidez ou burrice, é amor. Profundo como o oceano.
E esse tipo de amor não é muito comum, infelizmente. Nasce no acaso, cria-se no companheirismo, floresce pelos minutos que se transformam em momentos especiais e são guardados num lugar muito especial a que, de facto, chamamos coração. E não nesse outro suposto coração social, que serve para envergar uma máscara, adquirir bens materiais, alguém para exibir, alguém para cultivar e aumentar o nosso egocentrismo. Isso, meus queridos... Isso não é, de todo, amar! Ainda assim, cada um escolhe o seu. Ser feliz ou não com as suas escolhas, já depende da consciência de cada um.
A Iva? A Iva prefere ser feliz sozinha do que render-se às aparências da sociedade "só porque sim", pois a Iva já abriu mãos de um grande amor simplesmente por achar que essa pessoa seria mais feliz com outra... Aí, talvez tenha sido burrice. Não havia outro alguém. No entanto, o que tem de ser, tem muita força e podemos fugir a muitas coisas, mas nunca ao puro e verdadeiro... AMOR.
Fiquem bem e mantenham-se bem dispostos! :) E, sobretudo, AMEM!
Não! O amor não é vão, mas pessoas são.
Vãs! Fúteis! Falsas! Interesseiras! Superficiais! Vazias... com sabor a eco, ausência de maresia...
E são essas e apenas essas que tornam o amor... VÃO!
Mas existem excepções, sempre, o tempo todo!
Basta encontrá-las... Como? Nunca desistindo de as procurar, nunca desistindo de acreditar nelas... A Fé move montanhas!!!
E depois? Bem, depois, quando encontramos essa excepção, é agir como diz o Principezinho de Saint-Exupéry "Cativa-me!".
E ter a certeza que as vamos cativar a cada dia, pois as pessoas, tal como o amor, não se compram, não se vendem, não se conseguem, não se ganham... CONQUISTAM-SE! E é essa a verdadeira diferente entre um amor real e um amor fingido!!! Pois o amor real é sempre, sempre, sempre amigo e companheiro e tudo o mais que daí advém. Jamais será egoísta, interesseiro, frio, cruel, reles, ordinário, aguçado...!
«Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. (...) Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.»
Já escrevi este texto há algum tempo e só agora o decido publicar... é hilariante. Verdadeiro ou não? Bem, vocês verão e julgarão...
«Eles querem é espatifar-nos as Barbies!»
Pois é, “eles querem é espatifar-nos as barbies” foi a conclusão a que cheguei pela conversa de uma amiga ontem à noite. Outra das típicas conversas de MSN. Soubessem os produtores e editores do “Diário de Bridget Jones” que destas típicas conversas de mulheres saem coisas tão curiosas e iriam pagar-nos bem caro para as dizer (as barbaridades, entenda-se!). Então aqui vai mais ou menos a nossa conversa. (À amiga vou chamar Maria Francisca. Sei que ela detesta, mas assim não há hipótese de saber quem ela é. Ahahahah! Desculpa lá!) Maria Francisca – Os homens!!! Quando os tratamos mal, andam sempre a correr atrás, super carinhosos, gentis, românticos… muitas mensagens… Eu – Pois…
MF – Depois, quando percebem que gostamos deles… começam a afastar-se. E – Pois, também já tinha reparado. Se calhar gostam é de conquistar.
MF – Machos latinos! Parvalhões! E – Exactamente. Grandessíssimos parvalhões!
MF – Olha para o ….! Andava sempre atrás e eu indecisa. Depois decidi-me, mostrei o que sentia, durou dois meses, muito meigo e logo a seguir começou a afastar-se. Não percebo. E – Parvalhões pah! Se calhar devíamos tratar sempre mal. O pior é p’ra quem não tem jeitinho nenhum para isso…MF – Parece que é um jogo. “Se me tratas mal, adoro-te! Se me tratas bem, és chata, lamechas e estás com TPM”! Quando conquistam, afastam-se de fininho, nem cumprem com a palavra de dizer na cara que “já não dá mais” ou que “já não gostam”. E – Sabes…. ELES QUEREM É ESPATIFAR-NOS AS BARBIES.MF – O quêeeee??? Desculpaaaaa? E – Sim. Eles querem é espatifar-nos as barbies! Repara: quando somos miúdos há sempre a rivalidade meninos/meninas, ver quem é melhor, nós com as Barbies, eles com os GI Joes e os carrinhos…
MF – Sim, continua… E – Então e nós todas românticas, a pôr a Barbie bonita para o Ken que ela queria (se bem que os GI Joe também servem)… Queremos um marido para a Barbie e os meninos dizem que sim, que alinham no jogo… Depois a Barbie e o GI Joe vão sair à noite, a Barbie toda contente, muito tímida, romântica e carinhosa, até os seus olhos de boneca brilham…
MF – … E – E depois, quando a Barbie pensa que arranjou marido, e as meninas estão super contentes por terem convencido os meninos a alinhar na brincadeira…os meninos põem o GI Joe a saltar em cima da Barbie, puxam-lhe os cabelos, rasgam-lhe a roupa, atiram fora os sapatos e arrancam-lhe a cabeça.
MF – (por esta altura certamente de boca aberta…) E – Portanto, eles (homens) querem é espatifar-nos as barbies!
MF – Pois, e fazer prisioneiras… E – O raio dos parvalhões, pah! Fingem que alinham na brincadeira, como em miúdos, mas o final é (quase) sempre o mesmo… ELES QUEREM É ESPATIFAR-NOS AS BARBIES!!! (---Fim da conversa---)
P.S. Nota pós-conversa: Será esta boa altura para perguntar onde raio anda o Ken?
(imagens google)
P.S. 2 . Imagem do que a Barbie deveria fazer ao raio do GI Joe mauzão!!! ah ah ah!!! Barbie's revenge!!!
E não me digam que estão aí fechadinhos no vosso cantinho a lamentar-se pelo que não correu bem?!
Bem, que os homens querem sexo e as mulheres querem romance, já toda a gente sabe, mas também existe a inversão de papéis, da mesma forma que existe o meio termo, portanto... e que tal arrumarem-se a sério e saírem para a rua e ver as vistas?!
Ok, ok, o dia não está solarengo, está nublado e triste, mas...vão deixar que isso vos impeça?! Onde anda o vosso espírito aventureiro? Fechado na despensa a ganhar bolor? Iupiii! Sim, FORÇA! É AÍ MESMO QUE DEVE ESTAR!
Que mais não seja, avancem até à varanda, as meninas para lavarem os olhos com algum jeitoso de passagem, os meninos para apreciarem as "boazonas"... mas pelo menos saem dessa inércia que vos domina!
Vá, xô, xô!!!! TOCA A SAIR DE CASA QUE A VIDA PASSA LÁ FORA... A CORRER! Sabiam?
E passa o fim-de-semana, passam uns dias... em que libertámos os velhos trapos, gastos pelo tempo, soltámos as amarras, do barco... do chão... perdemos as máscaras, ressuscitámos o coração... e SONHÁMOS! E fomos felizes!
Depois, afastamo-nos do nosso Vale dos Sonhos e preparamos as bagagens para partir desse Vale Encantado onde falamos o que queremos e onde somos verdadeiramente nós, falando só com quem desejamos, indo a todos os lugares, conhecendo tudo o que quisermos, rindo e brincando como quisermos...
Depois pegamos nas malas, do chão... e abrimos a porta. Fechamos o Vale dos Sonhos, mas guardamos o bilhete para lá voltar.
span style="font-size: x-large;"> «LEMBRA-TE DE MIM»
Podemos viver uma vida, podemos viver muitas mais, mas será que não há memórias que permanecem?
Até que ponto o que de nós sai e julgamos ser ficção, será mesmo fictício?
Boa questão! Ouvia há momentos a música do Sting «A thousand years» e fez-se um clic. Ele parece estar a falar em reencarnação, senão, vejamos a letra aqui.
Leiam, se quiserem, com atenção a história que se segue...
Dei-lhe o nome de "Lembra-te de mim"
Prólogo
Castanho profundo no meu coração
Acordo sobressaltada. Milhares de gotas minúsculas de suor afloraram-me à pele: tenho tanto calor! Ainda não é totalmente a época do frio, mas talvez o edredão de aquecimento seja demais.
“Que horas são? Já estarei atrasada para o trabalho?”
3.59, indica o vidro do telemóvel novo, aquele telemóvel 24 horas sempre ligado, que ultimamente não toca muito. Sei que voltei a sonhar o mesmo.
“Maldito livro sobre as vidas passadas! Devia saber que ao fazer de novo como dizem as instruções, acabaria por abrir uma porta para outras vidas… ou para a minha loucura! Se já adivinho previamente tantas coisas que vão acontecer, se aprendo as pessoas de cor no momento em que as vejo, por que motivo ainda fui fazer como diz no livro para conhecer as minhas vidas passadas?! Achei que eram tretas! Morri de novo afogada! E os olhos castanhos profundos, lindos? De novo? O que significam?! Por que é que nesta vida me apaixono sempre pela intensidade de uns olhos castanhos profundos?”
Apeteceu-me gritar a plenos pulmões o “porquê” de tal facto. Era verdade, pois. Isso já eu sabia. Achava os azuis extraordinariamente bonitos, mas era apenas isso. Eram sempre os castanhos, aquele tom de castanho especial, profundo, com negras pestanas a rodearem-nos, que acabavam por me deitar por terra e fazer o meu coração bater a mil, os joelhos tremerem, descoordenar pernas e braços e dizer coisas tão estúpidas e despropositadas que, dir-se-ia, era uma autêntica totó.
No dia seguinte falava com o P* no Messenger, uma das mais recentes novidades da minha feliz civilização e foi então que me lembrei.
- Sabes, acho que já sei por que não sei nadar. É que eu… vais achar que sou maluca, mas talvez também já aches isso, portanto, aqui vai… É que eu já morri afogada. Muitas vezes. E esta noite sonhei com isto de novo. Mas o sonho era diferente. Também acho que já percebi por que gosto tanto de neve.
- Conta-me
- Oh, vais achar mesmo que sou maluca. Eu já acho! Mas foi tudo tão real!!! Acho que se fosse investigar iria descobrir que é mesmo assim que morrem as pessoas afogadas em águas frias. É como se milhares de agulhas nos trespassassem o corpo no primeiro embate, depois parece que estamos repletos de chamas e tudo arde até ficarmos dormentes, sem sentir nada. Sou mesmo maluca!!! Desculpa lá isto!
- Não és nada. Conta lá. Fiquei curioso.
- Ok, mas depois não digas que não te avisei… É desta que vais achar que sou mesmo maluca e nunca mais vais falar comigo…
I
“Era dia nacional. 17 de Maio. O dia estava extraordinariamente solarengo, mas o Inverno glacial ainda estava para durar. Era bastante normal. Estávamos muito a norte e ali era perfeitamente natural cair neve durante grande parte do ano.
Sempre adorei neve, mas este dia estava particularmente bonito, com as goteiras da minha casa cheias de estalactites cristalinas, pendentes, do telhado, ameaçadoramente prestes a cair a qualquer momento. Mas isso não me assustava. De facto, nada relacionado com a neve me assustaria alguma vez. Considerava-a sempre minha aliada. Aliás, terei de dizer “nossa aliada”. Sorri, corando imenso. Corava sempre quando pensava nele. A minha mãe dizia que eu era ainda muito nova, uma adolescente que via o mundo cor-de-rosa, bem, branco pacífico e romântico, altero eu. Porém, ele pensava exactamente como eu, a sua Princesa do Gelo. Sorri de novo. O meu Príncipe das Montanhas!!!
Tinha a certeza que nunca nada nos iria separar. Ele assim prometera. E no fim-de-semana anterior tínhamos feito um juramento de neve. Aquelas coisas típicas de miúdos apaixonados! Picáramos os nossos dedos e depois, bem unidos, enterráramo-los na neve, sentindo um misto de frio e calor. Agora que penso nisso, não sei se era o frio da neve a queimar a picadela, se era o amor que sentia por ele a agitar minúsculas corujas albinas na minha barriga, com tanto entusiasmo perante o juramento.
Subitamente, até me pareceu que a neve se tornava mais luminosa e que todos os cristais minúsculos que caíram no início da noite anterior se tornavam mais luminosos, como se fossem confidentes do sentimento tão forte que nos unia desde crianças. Não havia dúvidas. Desde que nos conhecêramos por gente que um seguia o outro por todo o lado, sendo ele o altruísta e corajoso e eu a frágil princesa desastrada, sempre a necessitar de ser salva. Pois, é que, para ser muito sincera, eu tinha uma propensão enorme a tropeçar nas rochas escondidas, a cair nos buracos cheios de neve, a embater de frente contra a rama congelada das árvores sempre que esquiávamos juntos, entre outras listagens de pequenos incidentes.
Ele estava sempre lá, não direi bem a salvar-me, mas a garantir-me sempre umas boas gargalhadas. Eu amuava sempre que tropeçava ou caía e ele ria desalmadamente, todavia, rapidamente lhe achava piada, atirando-lhe bolas de neve bem grandes, com toda a força, juntando-me a ele em súbitas risadas que ele sempre comparava a quedas de água dos riachos adormecidos no início do degelo.
- Pareces uma fada! Não, uma princesa. És tão bonita como os primeiros nevões que põem tudo a cintilar e cujo frio nos faz sentir sempre mais vivos, pelas nuvens que exalamos ao respirar. Adoro-te!
Fora assim a primeira declaração dele. Acho que tínhamos perto de uns três anos, não mais. Ele disse isto e ofereceu-me uma flor azul celeste, como os icebergues que víramos no passeio de domingo, havia alguns meses.
- Como os teus olhos. – dissera ele.
- Prefiro o castanho dos teus! Lembra-me o renascer da terra após cada estação fria. Lembra-me que a vida volta sempre a renascer.
- Mas eu gosto mais dos teus. És uma princesa-fada de cabelos negros e olhos azuis. Vou gostar sempre de ti! – e os seus pequeninos olhos de criança, muito castanhos, muito intensos, tornaram-se ainda mais brilhantes. Até mesmo as suas pestanas negras pareceram de súbito diferentes, mais bonitas. E achei-o ainda mais belo pela forma como me fez sentir tão especial. Tanto e da mesma forma como eu o via a ele.
- Princesa! – insistiu ele esticando-me a pequena e delicada flor azul. Não sabia onde a arranjara ele no meio de tanta neve, mas ele era sempre capaz das proezas mais incríveis para me impressionar. Aprenderia isso nos anos que se seguiram. Aquela flor azul…!
E eu senti-me mulher pela primeira vez. Senti-me realmente uma princesa de contos de fadas. Aquilo nada tinha a ver com sonhos de criança, eu bem o sabia! E soube, no íntimo do meu coração, alma e ser, ainda que em tão tenra idade, que já havíamos feito juras como aquelas antes. Mas já me estou a desviar daquilo que queria revelar. Sabem, o amor eterno é mesmo assim. Simplesmente amamos, achamos o outro belo sem saber porquê e, depois, perdemo-nos na nossa objectividade simplesmente por sentirmos dentro de nós uma grande paz quando finalmente percebemos a origem de todo aquele sentimento. Acho que vão gostar do que vos vou contar. Espero que não chorem. Não há finais tristes ou infelizes e esta história ainda não acabou.
Bem, como vos ia contar…
Era dia nacional. 17 de Maio. O dia estava extraordinariamente solarengo, mas o Inverno glacial ainda estava para durar. Tudo à nossa volta era belo e branco. E o sol fazia brilhar tudo, sendo os cristais de gelo portadores de milhares de pequenos micro-cosmos, adocicados pela magia de pequenos arco-íris que eu idolatrava desde criança. Era o dia perfeito.
Como sempre, ele veio buscar-me a casa, mas nesse dia não vinha sozinho. O restante grupo já estava com ele, eu era a última. Corri para ele sem esconder o meu entusiasmo, atirando-me nos seus braços, com o vermelho das minhas bochechas a destacar-se no meu rosto pálido com as duas safiras, que me serviam de olhos, a brilharem sempre de forma mais intensa a cada novo reencontro. Timidamente dei-lhe um beijo na cara, afinal, a minha mãe estava a ver, espreitando pela janela, ainda que eu não conseguisse ver sequer uma pontinha da cortina afastada. Sabia que ela não levava a sério este nosso namoro. Não a censurava. Ainda éramos muito novos, no entanto, eu sabia que seríamos sempre eu e ele, que ninguém compreenderia este nosso laço, esta ligação tão forte que eu insistia com ele “vir de outras vidas”.
Íamos para o lago, contudo, desta vez não seria para patinar, com muita pena minha. Era algo que fazia realmente bem e adorava a forma como ele me olhava, sentado no tronco velho, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos no queixo, destacando-se apenas o seu olhar intenso por baixo dos seus gorros, que alternavam entre o vermelho, azul-escuro e o verde. Eu podia até estar a patinar, fazendo incontáveis piões como adorava, na extremidade oposta do lago, mas conseguia ver de perto o seu olhar profundo e amistoso, admirando-me como sempre fazia aos domingos de manhã.
Naquela manhã as três raparigas muito loiras, ele e o seu outro amigo eram a minha companhia. Lá chegados, entreteram-se com batalhas de bolas de neve. Riam sem parar e eu ria com eles, mas, devido à minha natureza curiosa, não fiquei muito tempo naquele jogo. Comecei a caminhar, avançando mais para o centro do lago congelado e olhando em volta. Era uma sortuda por me ser permitido viver num sítio tão lindo. Não sei como havia tanta gente que detestava a neve. Podia ser tão mágica, tão linda! E aquele frio cortante de manhã fazia-me sempre dar graças por estar viva, ter a mãe e os amigos que tinha. E, claro, tê-lo a ele. Sempre!
(...)
Devo ter-me distraído a andar, pois ouvia-os mais longe a cada passo que dava. Olhei para trás, com o sol a incidir nas árvores despidas por trás deles e sorri. Os seus gorros multicoloridos destacavam-se muito bem, qual sombras recortadas, naquela paisagem tão branca e luminosa. Que doidos. Mas estavam tão felizes! Nem ele dera pela minha ausência. Ria tão alto que o meu coração ainda se sentiu mais alegre e confiante. Ele tinha sempre um sorriso tão aberto, tão fácil, tão típico e inocente como o de uma criança. Jamais poderia esquecer aquele sorriso!
Olhei para o chão enquanto caminhava, numa zona do lago onde o gelo se tornava mais fino e transparente. Que segredos esconderia? Caminhei a passo mais acelerado, sempre olhando para baixo, pois parecia-me conseguir ver uma sombra de algo deslocando-se sob o gelo. Provavelmente uma foca. Se bem que, como sabia, ali não deveria haver nenhum buraco por onde pudesse emergir. Coitada! Será que se tinha perdido?! Avancei, pensando já em ajudá-la, quando confirmei tratar-se mesmo de uma foca. Dava voltas e reviravoltas sob a superfície gelada bem abaixo dos meus pés. Quase podia tocá-la. Talvez se a conduzisse para algum sítio onde o gelo fosse mais fino, a pudesse ajudar a sair para respirar. Pobrezinha! Era tão pequenina e frágil! Decerto se tinha perdido da mãe e agora se via em apuros.
Corri para a extremidade mais próxima, a ver os meus amigos, agora qual pontinhos luminosos de uns rabiscos de criança, ao longe. Já não os ouvia. Aliás, ouvia-o só a ele, mas isso acontecia-nos com frequência, mesmo quando estávamos mais longe um do outro. Agarrei num comprido e franzino ramo e corri para a zona que me pareceu mais fraca em toda a superfície do lago. A pequena foca seguiu-me ansiosa, de olhos pedinchantes, quase a sorrir por ver que estava determinada a ajudá-la. Escolhi e marquei o local onde ia partir o gelo. Depois, afastei-me, pronta para embater no gelo com toda a força! Como não conseguia ter muita sensibilidade e o galho me caía das mãos com facilidade, descalcei a minha luva direita, atirando-a para longe, mal a agarrei do chão. Nesse momento, o meu cachecol voou pelos ares, levado por uma súbita e glacial brisa que me despenteara o cabelo que surgia, muito solto e comprido, por baixo do gorro azul, caindo-me pelas costas às madeixas, cada uma mais escura que a outra.
Preparei-me para o embate, mas, como estava muito afastada, o ramo apenas bateu na diagonal e escorregou-me das mãos, estatelando-se a meio metro do sítio onde me encontrava.
“Pauzinho estúpido e insuportável!” – pensei, agarrando-o com força com a minha mão nua enquanto o repreendia e ameaçava mentalmente. “Se eu o chamo, vais ver o que te acontece”.
Sem pensar, atirei um forte golpe para o chão mesmo a meus pés. Infelizmente, apercebi-me demasiado tarde do meu erro. A foca bebé afastou-se, temerosa e, numa fracção de segundos, que a mim me pareceu durar uns longos minutos, o gelo emitiu um craque desajeitado, resmungou e quebrou-se, puxando-me com os pedaços destruídos do seu espelho gélido, para as águas profundas do lago.
Sempre fora uma boa nadadora, mas o embate na água, muitos graus abaixo de zero, não poderia ter sido nunca preparado para um corpo como o meu. Milhões de agulhas invisíveis vieram ao meu encontro, furando-me a roupa com uma rapidez tal que nem sequer consegui emitir um grito. O meu gorro de lã azul-escuro com uma tosca bola na ponta foi a primeira coisa a cair para o azul intenso das águas do lago. Enquanto o observava a cair, reparei que o impacte do frio me fez contrair o diafragma e parar de respirar. Sentia mesmo o coração a bater descompassado nos meus ouvidos, após uma súbita pausa, para mim demasiado longa, após o choque inicial.
(...)
Ele prometia, com todas as suas forças, que seria sempre o meu guardião e eu perguntava sempre o que iria acontecer se um de nós morresse primeiro. Ele dizia que eu era tola, que nada nos iria separar e que teríamos sempre a neve como aliada. Eu perguntava com alguma frequência, quebrando os nossos silêncios apaixonados, como sabia ele que nos iríamos lembrar dos nossos juramentos, se morrêssemos e nascêssemos outra vez. A resposta era sempre a mesma: que eu era tola e que teríamos sempre a neve como aliada. E depois de me dar um longo beijo na testa e de me segurar ternamente pela cintura ele acalmava as minhas conversas filosóficas e dúvidas existenciais com um “Princesa, nunca nos iremos esquecer um do outro. Ninguém o vai permitir!”
(...)
Senti-me cair, mas não fiz ruído algum. Andava tão feliz! Nem me apercebi do que me estava a acontecer! Parecia um sonho! Demasiado surreal para ser verdade. Como poderia eu estar a cair e ainda apreciar a beleza que via em meu redor, na água gélida, a vários metros da superfície?
Achei sempre que não iria passar dali. Sabia que ele me viria salvar. Ele tinha jurado! Mas ninguém me viu cair!!! Ele foi o primeiro a dar pela minha falta e sentiu que algo estava mal.
(...)
O peso do casaco ensopado transformou-se num abraço mortal, demasiado doloroso e gélido, e sentia cada vez mais pressão no meu peito... Ouvia o barulho da água agitada enquanto tentava em vão nadar em direcção à luz solar. Consegui subir um pouco, devido à minha força braçal de nadadora e estava-lhe agora mais grata por me ter obrigado a aprender e a treinar furiosamente nos verões anteriores, ainda que a água fria me forçasse mais a sair da água do que a tentar nadar. Fui bem sucedida por momentos, mas… não era suficientemente forte.
Foi nesse momento em que estava a conseguir realizar os meus intentos que vi a foquinha. Era assim esbranquiçada com manchas cinzentas. Não, não eram bem manchas. Eram pintas, acho eu. Ela percebeu que eu ia morrer. Tinha um olhar lindo e profundo e lamentou por mim, mas não me podia ajudar. Julguei ter ouvido a foca a dizer que tinha pena, que ainda era cedo demais para mim, porém, havia algo que tinha mudado e era o meu fim. Perdi nesse momento o meu sentido de audição e comecei a sentir o meu corpo de forma estranha. Talvez já nem o sentisse. Já não tenho a certeza.
A minha mãe sempre disse que há uma lenda na Noruega que fala nos espíritos do tempo. Não são directamente maus, mas andam solitários e infelizes e podem levar à perdição pessoas boas, apenas por quererem companhia para a eternidade. Ela sempre me avisou, sublinhando que todas as lendas tinham o seu quê de verdade, e dizia sempre para nunca me afastar demasiado nem me deixar cativar pelos animais da florestas ou fascinar pela beleza estonteante das plantas e árvores, em especial no Inverno. “É tudo ilusório, minha querida, e é nessa altura que os espíritos do tempo podem sair sem serem vistos. E, se forem, ninguém os temerá pois apenas parecerão ao olhar mortal, pobres criaturas sem rumo, ali à espera de serem ajudadas”.
(...)
Via nos olhos daquela criaturinha frágil muito mais emoções do que seria possível num animal. Via emoções humanas. Via a minha vida passar-lhe pelos olhos de um ar inocente. Via naqueles olhos os olhos dele e, finalmente, vi-me a mim, primeiro vermelha do impacte, depois roxa e, ao fim de apenas um minuto na água gélida, já azulada perdendo a luta pela vida a favor do tempo…
Deixei de ouvir. Sentia uma pressão intensa nos ouvidos e queria abrir a boca e respirar ar, mas não conseguia. O oxigénio de que tanto precisava estava-me, naquele exacto momento, totalmente interdito. Quando finalmente não aguentei mais e abri a boca, gritando desesperada (talvez por ele), entrou-me água nos pulmões e, nesse momento, também as minhas entranhas ficaram como a neve que eu tanto apreciava: paradas no tempo, imortais, bem preservadas qual clique fotográfico e imóveis como só Deus sabe.
Sentia o coração nos ouvidos, o peito prestes a rebentar... Uma dor de cabeça insuportável, com muita pressão, no que os hindus chamam o terceiro olho, e um silêncio parado que me chamava cada vez mais, acolhendo-me nos seus braços mais calorosamente do que eu poderia desejar. Era um silêncio não partilhado. O meu primeiro. E eu comecei a deixar-me ir. Estava cansada e, afinal, só queria descansar um pouco para poder, posteriormente, lutar com todas as forças pela minha vida. Queria fechar os olhos, mas estavam estáticos, não conseguia perceber porquê. Tudo estava parado. Depois, subitamente, alguém me puxava e gritava de forma ansiosa por mim, dentro de água, como se fosse um golfinho.
Arrastaram-me... Ele não estava bem também. Atirara-se meio despido para o buraco sem pensar duas vezes, sem sequer ter confirmado que eu tinha mesmo caído. Os outros não queriam e tentaram agarrá-lo, desesperados pelos seus gritos e angústia ao chamar por mim, enquanto por dentro o seu coração chorava por já ter adivinhado tudo.
(...)
Não sei como, mas arranjou uma força descomunal para me trazer de volta à superfície. Senti o meu corpo a ser arrastado nesse momento. Sentia uma dor intensa. Quando caí à água gelada fui ferida mortalmente. Doía tanto! Depois senti um fogo violento que me queimava e punha dormente... e a pressão no peito, os ouvidos a apitar...! Mas, ao mesmo tempo, o azul lindo, os olhos da foquinha bebé… Tudo tão maravilhoso!!!
Segundos antes de perder a consciência, senti que me agarravam com força, num abraço quente, apesar da temperatura contrária das águas do lago, e vi-o. Se o gelo não me tivesse já paralisado os músculos do corpo todo sei que lhe teria sorrido nesse momento. Era ele que me vinha salvar! Tão lindo, mas com um ar tão desesperado.
“Vieste!” – sorri, exclamando-o apenas em pensamento. Senti-me feliz. Serena. Em paz. Mas este era um pensamento do qual ele nunca iria tomar conhecimento.
Apercebi-me que já estava desmaiada pelo olhar dele. Vi-me nos seus olhos. Ainda lhe parecia bonita. Senti isso, mas o que ele viu no momento em que me voltou para ele, antes de encetar a batalha de nos levar de volta ao mundo superior, era um ser cadavérico, eram uns olhos cor de safira esbugalhados, lábios azuis, olhos a condizer, também verdadeiramente azuis, mas mortiços, vidrados... Acho que eu parecia uma estátua de olhos muito abertos e livres de quaisquer sentimentos mortais e o cabelo alvoraçado, espalhado na água em sentido vertical, muito negro em contraste com o azul magnífico da água.
(...)
Lembro-me vagamente de estar deitada numa cama, ainda molhada, mas praticamente nua, toda tapada, num quarto muito quente e abafado, coberta com uma colcha ou manta acinzentada. Acho que me tentavam por compressas de água quente na cara para me aquecerem e/ou reanimarem. Mas eu já não tinha frio. Não tinha sequer dores.
(...)
Tinha agora consciência de que via o meu corpo de cima para baixo, como se pairasse no ar acima dele, alheia a muitas coisas, mas atenta a todos os detalhes. Não sentia cheiros e acho que não ouvia, mas sabia tudo o que eles sentiam e pensavam, quase como se eu fosse um ser superior. Olhei-me e vi-me, por fim, tal como estava após a queda no lago: um corpo pequeno, magrinho, muito frágil e gelado, de tonalidade azul acinzentada. Já não sentia frio ou dores. Senti-me a ser puxada ainda mais para cima. Não queria ir! Ela estava a sofrer muito e eu não queria ir por esse motivo.
Senti-me agarrar por uns braços de luz, pelas costas, num caloroso e quente abraço. Diziam-me para ir, que tinha havido uma alteração de planos, mas que ia ficar tudo bem. Eu não queria ir, não queria que ela sofresse e tinha medo que ele perdesse o brilho dele, aquele sorriso tão branco, tão aberto, e o brilho nos olhos negros que sempre me fez acreditar que tudo era possível.
Sei que falávamos, eu e o tal ser de luz, que eu não via porque me abraçava pelas costas... talvez não o visse por insistir em observar o que se passava junto ao meu corpo, mas disso não podia ter certeza. Falávamos pela mente. Sei que perguntei por ela: ele disse que ficaria bem. Tenho também consciência que perguntei por ele e se o voltaria a ver. Foi-me dito que sim, voltaria a ver os dois, mas, desta vez, iria demorar mais. Seriam tempos mais difíceis mas quando fosse a hora eu ia saber de tudo.
Tinha medo. Eu sabia que ia apagar as memórias daquela vida. Ele disse-me que há aquelas que nunca se perdem e que a isso se chama um dom. Acrescentou ainda que apesar de eu nada perceber, isso iria sempre comigo. Disse-me para não ter medo ou chorar, contudo, não me soube explicar por que morri. Limitou-se a afirmar que tinha sido cedo demais, mas necessário, que afinal ainda não era aquela a vida em que eu e ele deveríamos ficar juntos. Sei que voltei a perguntar por ela: vai ter mais filhos. Nunca te esquecerá, todavia vai ser feliz e mais forte. Nunca te vai esquecer, tornou a garantir-me.
Eu tinha a certeza que os laços com ela nunca me abandonariam, mas não tinha assim tanta certeza quanto a ele. Confessei ao ser de luz, que agora me confortava num abraço quente, que quebrei a promessa. Respondeu-me calma e sabiamente que ele, o rapaz, me perdoaria, mas que desta vez demoraria mais tempo até nos reencontrarmos. Não o iria reconhecer logo, porém devia procurar o que mais gostava nele.
Perguntei se seriam os olhos castanhos negros, ele riu-se. E depois senti uma calma e uma paz imensa, como não me lembro de ter sentido antes. Sabia, no entanto, que já a havia sentido. Foi isso que aquele ser também me transmitiu sem sequer necessidade de usar palavras. O seu abraço apertado dizia-me tudo o que eu precisava e queria saber. Ouvia as respostas antes mesmo de formular as questões na minha mente. Deste modo, já não tinha pena de abandonar o meu corpo. Parecia apenas um embrulho vazio, mesmo assim lembro-me de olhar e pensar que devia mesmo ter sido linda, que mesmo roxa ali deitada inerte naquela cama parecia mesmo muito bonita. E ele disse que era, que o exterior é fruto do que geramos no nosso interior mas que não iria ser sempre assim. Mais tarde haveria formas de esconder a maldade interior e ser-se muito belo fisicamente. Avisou-me para desconfiar sempre dos belos, para não confiar neles. Pediu-me para procurar pelos olhos.
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Epílogo
Agora acordo do meu sonho, com milhares de gotas de suor escorrendo-me pelo corpo magro, o cabelo comprido e escuro completamente encharcado ...
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Reconheço agora também a minha preferência pelos olhos. Castanhos profundos como os teus. No entanto, houve muitas alturas em que me enganei nos olhos. Eram parecidos, sorriso também, mas, sempre no último momento, conseguia perceber que não eras tu, que ainda não era aquele que estava comigo a pessoa por quem sempre esperei sem saber.
(...)
Neste mundo moderno, adormeço, indecisa, no meu quarto, onde finalmente admiti um espelho, esticando-me desamparada sobre a grande cama, entre as minhas duas almofadas. Lanço um olhar ao visor do telemóvel, desculpando-me com a confirmação das horas, mas, no fundo, sei que era apenas uma forma de me lembrar de ti, agora novamente silencioso.
Apago a luz e desejo ardentemente ter mais memórias daquele nosso mundo que, de facto, não sei bem identificar como Noruega ou Rússia (que tanto me fascina) ou como outro qualquer país gelado.
Peço agora a Deus, em quem nesta vida acredito firmemente, que me permita regressar àquele nosso mundo, numa vida em que ainda que por um curto período de tempo fomos felizes, juntos os dois. A única vida até agora. Peço-lhe que me deixe regressar e reviver mais momentos, em que trocámos promessas de amizade e amor, dias gelados em que foste o meu companheiro de jogos de crianças, em que me aturaste a rebeldia digna das pessoas curiosas como eu.
Lamento e tenho imensas saudades dos dias em que me deixavas deitar a cabeça no teu colo, quando me abria e despedaçava em mil lágrimas por não conhecer o meu pai e tu, no silêncio de um gesto, me afagavas o cabelo, com as tuas mãos sempre tão quentes (quando as minhas eram tão sempre tão geladas), me beijavas suavemente a face, que ficava ainda mais rosada perante o teu toque, e me sussurravas docemente ao ouvido, com a tua rouca voz intermédia de adolescente quase adulto:
- Chiuuuu, princesa! Não tenhas medo! O teu príncipe chegou. Estou aqui agora! Não chores mais… Lembra-te de mim!
Adormeço agora, nesta vida, longe de ti, com a tua imagem na memória destes dias, mas também dos das outras vidas, em especial daquela em que não consegui manter a promessa e repito o silencioso pedido que te fiz quando parti, o mesmo que sempre me fazias quando o sol desaparecia dos meus lábios e os meus olhos azuis pareciam um céu cinzento e carregado, prestes a desabar num forte nevão:
Lembra-te de mim. Por favor! Reconhece-me! Lembra-te…
Lembra-te de mim!
Iva* a 5 de Outubro de 2009
Existirão coincidências? Ou existe algo mais além de uma vida? Algo que nos faz transportar marcas connosco e que nem o tempo apaga de nós, ainda que o corpo mude, a memória se vá e as nosss posições sejam diferentes?!