As tempestades de areia no deserto são inesperadas. Por vezes, quando há indícios das mesmas, elas pouco demoram a chegar. Podem durar minutos, horas e, há até quem diga, dias. E anos?
Atravessando uma paisagem menos deserta, mas com o seu quê de interessante, ou não tivesse eu um fascínio especial pelo deserto e pela cultura marroquina..., vi-me no meio de uma tempestade de areia.
De início não percebi os indícios. O sol mais amarelado, o ar mais pesado, o céu menos azul e mais amarelo... Quando dei por mim, estava no meio da tempestade. Uma tempestade de areia.
Inicialmente, distinguia por completo as vozes que me chegavam e até conseguia mais ou menos vislumbrar rostos. Depois a tempestade intensificou-se e deixei de perceber as vozes. Deixei de perceber se quem me rodeava era familiar ou não.
Quando perdi as forças, não encontrando refúgio e tropeçando sem parar, quase sem conseguir andar, senti uns braços fortes que me agarravam. Tive medo, mas depois confiei, ensinavam-me a andar e, ao seu lado, sentia-me protegida pois parecia que o seu corpo ao meu lado me protegia de mais grãos de areia que teimavam em embater com violência por todo o meu c0rpo, em especial nos olhos...
Caminhámos por horas, dias, semanas... e a tempestade não cessava... Ele apertou-me com mais força junto a si e eu sentia-me amparada, mas depois largou-me e eu, habituada a caminhar encostada, caí ao chão pois desaprendera a andar.
Contudo, ele não fugiu para muito longe. Ficou ali perto, como se quisesse voltar. Mas desta vez não me resignei a ficar. Comecei a afastar-me para longe propositadamente.
A princípio a tempestade pareceu tornar-se mais forte e eu, que mal conseguia reaprender a andar, senti-me só e desamparada e mal tinha forças para me segurar e continuar a caminhar. Depois pareceu-me ver vultos ao longe e senti que seriam amigos.
Estranho era que não me chamavam, não se aproximavam, nem me davam a mão, apens insistiam em apontar para mim. Para mim, pensava eu. Caminhei, caminhei sem destino, fixa só naqueles vultos, calor humano. Ele ficava cada vez mais para trás, no entanto parece que o sentia, de quando em quando, puxar-me a túnica preta, típica das mulheres árabes, com que ia vestida. Queria arrastar-me para trás e a minha caminhada tornava-se mais difícil, mais pesada...
Finalmente, quase exangue e sem forças, olhei para trás. Ele estava lá, além daqueles grandes portões. Olhei de alto a baixo - ERAM ALTÍSSIMOS! - só depois de um bocado, sem perceber antes por que não se mexia ele na minha direcção (visto que a tempestade além-portões era mais intensa), percebi o que estava escrito na inscrição.
Esforcei-me então por caminhar na direcção oposto. Desta vez muito mais cansada, mas também mais determinada. Comecei a ouvir vozes que me chamavam e os meus olhos começaram a distinguir as cores da roupa daquelas pessoas...
Agora a tempestade quase parou, mas ainda sinto bagos de areia contra a face e os olhos ardem demasiado, cheios de areia e lágrimas. Consigo distinguir alguma vozes, mas ainda não as pessoas. Os amigos.
Limpo os olhos com força, mas só o tempo pode tirar toda a areia que ainda tenho nos olhos.
Para trás fica uma história que se tornará lenda: a história da viajante que se perdeu do seu grupo enquanto apreciava a beleza do deserto e julgava que as lendas das Criaturas Más do Deserto era apenas isso - uma história. "Onde é que já se viu uma serpente ou um escorpião adquirirem forma humana? Ou um lagarto tornar-se homem e seduzir-nos?"
Para trás, ficará certamente a história da viajante que caminha e se dirige aos vultos coloridos que viu, enquanto a tempestade de areia já quase passou. A história da viajante que ainda não sabe se está no caminho certo, que não sabe se quem a espera no final do caminho lhe fala do coração ou se quer simplesmente o seu coração e a sua alma... A história da viajante que não sabe se percorre o carreiro certo no final de uma tempestade que lhe deixou os olhos num mar de lama e água salgada... a história de uma viajante que caminhou com um desconhecido que a parecia ajudar, durante tanto tempo, mas que, afinal, apenas a levou a atravessar os grandes Portões dos Infernos onde as tempestades de areia são eternas e o mar de água salgada e faíscas nos olhos são infindáveis. Uma viajante chamada... IVA.
1 comentário:
Está muito bonito
No final só te vais lembrar de como a areia foi um bom exfoliante ;)
K
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